quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A capitulação

... E, finalmente, na manhã de terça-feira, 10 de Setembro, ao que se julga por não terem recebido o apoio que pretendiam do presidente Spínola, os revoltosos rendem-se. Mas não o fizeram facilmente. Foi primeiro necessário recuperar o aeroporto de Lourenço Marques, os GTT e a refinaria. Foi também necessário o cansaço das centenas de manifestantes brancos que se mantinham frente ao Rádio Clube, pois a situação era de impasse, ao mesmo tempo que o descalabro violento que se vivia em toda a cidade começava a fazer recair em si a maioria dos habitantes brancos, que reconheciam finalmente te­rem sido empurrados para uma aventura de terríveis consequências, por um grupo de indivíduos que sou­bera explorar o estado emocional criado nas horas que antecederam a assinatura do acordo de Lusaka.
Antes de se entregarem — alguns deles — à Polícia de Segurança Pública (e fizeram questão de que fosse à PSP), os rebeldes emitiram um apelo final através da Rádio, para que as Forças Armadas portuguesas «mantivessem Moçambique livre». A seguir, ouviram--se os acordes do hino nacional, no fim do qual o major Tavares, comandante da Polícia, leu uma proclamação à população, dando-lhe conta da ren­dição dos insurrectos.
Segundo os revoltosos comunicaram também atra­vés da Rádio, rendiam-se exclusivamente para evitar «que corresse mais sangue na cidade e subúrbios». Saem então os cabecilhas que haviam dado o rosto, não se sabendo bem para onde, e é a partir daí que os «Dragões da Morte» surgem nos subúrbios, dis­parando de dentro de carros, indiscriminadamente, contra negros indefesos.
Já ao fim da manhã desse mesmo dia, e enquanto se desconhecia o paradeiro dos cabecilhas do golpe, vários jornalistas locais teriam visto indivíduos sus­peitos a saírem furtivamente de um hotel da cidade, indivíduos esses que teriam confessado pertencerem ao comando da MOLIMO, mas que também pedi­ram aos jornalistas que não divulgassem a notícia do seu paradeiro antes das duas horas da tarde.
De Lisboa, parte para Lourenço Marques, no dia 10 à noite, o alto-comissário do Governo Provisório português junto do Governo de Transição a nomear pela FRELIMO, contra-almirante Vítor Crespo, que à partida declara a firme disposição de instalar a ordem em Lourenço Marques e de punir severamente os incriminados na revolta.
Começa entretanto a falar-se em mais de uma centena de mortos e quase meio milhar de feridos que se estariam a registar nos subúrbios da cidade, enquanto no Norte, na linha férrea que liga a cidade da Beira ao Malawi, um comboio vai pêlos ares ao fazer accionar uma mina, dez quilómetros ao Norte de Inhaminga e a cento e cinquenta da cidade da Beira. Uma outra composição ferroviária é atacada a tiro ao entrar na estação de Sena, localizada a quarenta e quatro quilómetros da fronteira com o Malawi.
Isto, apesar do acordo de Lusaka e apesar do cessar-fogo proclamado por Samora Machel, que viria a repudiar a responsabilidade da FRELIMO nesses ataques, imputando-os a reaccionários brancos, ou a negros chefiados por brancos. E de novo voltam aos espíritos de todos aquelas notícias postas a cir­cular sobre os grupos de mercenários a soldo de Jorge Jardim, que estariam a actuar em Vila Pery.
Os dias que se seguem em Lourenço Marques continuam a ser de certa agitação, se bem que a acção das autoridades militares, em colaboração, já, com alguns elementos da FRELIMO (estes são apontados como implacáveis na forma como reprimem qualquer acto de vandalismo praticado por negros ou por brancos) consiga gradualmente impor a ordem. Nunca se chegará a saber ao certo qual o número de vítimas que a tragédia provocou. Estatísticas ofi­ciais falam de menos de uma centena de mortos, e cerca de duzentos e cinquenta feridos.
As agências internacionais de informação, contudo, referem-se a mais de uma centena de mortos e quase um milhar de feridos. No campo económico, ficou a desolação. A re­taliação dos negros face à violenta investida dos ra­cistas brancos praticamente nada deixou inteiro na Avenida do Brasil, onde estava instalado o principal parque industrial da cidade. Fábricas destruídas e incendiadas, viaturas danificadas e irrecuperáveis — em resumo: uma economia paralisada. E é esta a herança que o governo chefiado por Joaquim Chissano, o número três na hierarquia da FRELIMO, recebe a 25 de Setembro.
Até lá,  verificara-se a ponte-aérea  entre Dar-es-Salaam e Lourenço Marques, para transporte de tropas da FRELIMO, que passaram a colaborar di­rectamente com as tropas portuguesas no controle da situação.