quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Acordos de Lusaka: 36 anos

Acordos de Lusaka: 36 anos


Escreveu também que, logo após o 25 de Abril, recebeu uma comunicação da direcção da Frelimo para integrar a delegação das negociações com o governo português, e partiu apenas com um saco na mão...Foi isso... tinha que sair rápido. Disseram-me que era uma questão de uma semana a 15 dias, mas só voltei seis meses depois.
Como foi o processo negocial que culminou com a assinatura dos acordos de Lusaka? Quantas pessoas integravam a delegação?
Não me recordo, mas éramos muitos, e a preparação foi feita com base na informação que tínhamos sobre Portugal. e tínhamos um bom manancial em termos de informação. Foi com base nisso, e nas intenções, que nós sabíamos das diversas facções políticas em Portugal, incluindo as Forças Armadas que fizeram o golpe militar(...). Às vezes, fazíamos alguma encenação. por exemplo, Jorge rebelo, naquela altura, assumia o papel de “advogado do diabo”, representando várias personalidades, como o General Spínola, Mário Soares, etc.. estudava política e representava muito bem...
Quais foram os momentos mais marcantes nesse processo negocial?
O primeiro aspecto muito importante e essencial era a completa diferença de concepção da negociação por parte da Frelimo e de Portugal. Mesmo nos sectores mais progressistas de Portugal, dentro dos democratas, não se estava a ver a independência de Moçambique num prazo curto. Estavam a ver a independência a dois, cinco, seis anos.
Portanto, num período muito mais longo...
Sim, porque achavam que Moçambique não estava preparado, não tinha quadros, etc. eram justificações. Havia até quem propusesse uma espécie de reunião de repúblicas socialistas: Portugal e as suas colónias. Mas da parte moçambicana, não. Nós estávamos mais que preparados para a independência. E perguntámos: “em Portugal, quem é que está preparado depois do 25 de Abril? Onde é que se estuda isso? em que faculdade se estuda essa matéria de governar?” Bom, como estávamos em posição de força, a nível político-militar, não tivemos muitas dificuldades para expor e impor o ponto de vista da Frelimo.
A seguir ao 7 de Setembro, integrou o grupo de militares que veio a então Lourenço Marques, num momento delicado. Que ambiente encontraram e quem eram os membros do seu grupo?Agora, não me lembro de todos eles, mas eram muitos... pessoas como João Pelembe (...). Mas sei que o General Chipande, o Salésio, o Teodoro e outros, naquela altura, vieram antes. Mas este grupo, dos 11, talvez os 11 magníficos, veio para a missão precisa que o Presidente Samora deu, de preparar as condições de segurança para o governo de transição tomar posse. E, realmente, fomos de Lusaka para Nampula, num avião militar da Zâmbia, se não estou em erro. E, depois, de Nampula para Lourenço Marques, num avião da força aérea portuguesa, com apoio do movimento dos capitães, que tinha lá um representante muito forte, o Major Afonso. Chegámos a Lourenço Marques ao fim do dia, mas já não dava para sair do aeroporto, porque ainda existiam barricadas montadas pela população, para resistir à tentativa de golpe dos ultra-colonialistas.
O acordo era secreto, mas já não o é...
O acordo de cessar-fogo ficou secreto por muito tempo, aliás, ainda é considerado secreto, embora eu tenha publicado já no meu livro alguns extractos. Ainda ninguém reclamou, mas penso que já passaram 25 anos, que é o prazo para manter as coisas em segredo. Previa duas comissões: uma militar, que tinha a missão de receber da parte portuguesa tudo o que fosse inerente às forças de defesa e segurança, portanto, as forças militares, para-militares, as instalações, enfim, tudo o que havia. Tinha a missão de preparar as nossas próprias forças, porque, a partir das zero horas do dia 25 de Junho, a segurança e a defesa passavam a estar sob controlo da Frelimo, e os soldados portugueses deviam abandonar o território nacional. e foi o que aconteceu. Foi o grupo de soldados que levou a bandeira portuguesa de volta, num o barco que tinha o último contingente.
Que imagem guarda desse processo? Existe a ideia de que são negociações pouco pacíficas.
A transição foi um pouco complexa. tivemos duas situações muito graves. A principal delas foi a tentativa da tropa de comando, em Outubro, fazer uma sublevação na cidade, e eventualmente fazer um golpe.
Mas o nosso serviço de informação soube com antecedência e conseguimos colocar as nossas forças - que eram fracas comparado com as do comando - em lugares-chave. O próprio, infelizmente falecido, General Mabote, organizou essa operação e colocou nossas forças em lugares muito precisos e com instruções de, em caso de serem atacadas, responderem. Foi isso que aconteceu.
Consta, também, que na sequência da anunciada revolta dos militares aquartelados na Machava, tiveram que proteger os principais dirigentes do Estado, mandando Samora para Gaza e escondendo Chissano e Jorge Rebelo no seu apartamento, aqui em Maputo. Como foi esse episódio?
Isso foi depois da independência. Eu referia-me ao período de transição. Mas é verdade, e foi quando houve aquela tentativa de sublevação da unidade que estava na Machava. Montámos uma unidade muito rapidamente para levar Samora Machel e outras famílias para um lugar em Gaza, etc.
Onde ficou Samora Machel?
O lugar, não sei exactamente. porque nós só organizámos o helicóptero e a força de protecção. Compartimentámos a informação, porque, mesmo numa situação dessas, o indivíduo mais fiel pode ser preso, torturado e acabar por dizer onde está o chefe.
Nessa altura, já estava a trabalhar na área de segurança...
Nessa altura, estava a trabalhar na área de segurança e informação. Era a continuação do trabalho que recebi, depois de 1969, da direcção da Frelimo.