quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Explicação para crimes hediondos no país: Cicatrizes da guerra privatizadas na mente - considera Dr. Bóia Júnior

Vários crimes hediondos têm ocorrido nos últimos tempos no nosso país. Figuram da lista dos mais badalados as violações sexuais, homicídios, linchamentos, tráfico de órgãos humanos, entre outros, facto que já cria indignação no seio da sociedade. Alguns destes crimes chocam a sociedade, mas uma vez tornados públicos, muitas vezes não têm seguimento e muito menos um desfecho. Dada a frequência com que os meios de comunicação social têm reportado esses casos, a nossa Reportagem procurou ouvir um psicólogo: Dr. Bóia Júnior que de entre vários cenários possíveis, fala da falta de uma informação precisa sobre a matéria, uma vez não estando claro se os crimes estão a aumentar ou se está perante um maior acesso por parte dos meios de comunicação social.
Por outro lado, fala de fragilidades no seio do Estado e do cidadão, o que concorre para o incumprimento das mais básicas normas, aliadas à falta de uma mão pesada por parte das autoridades. O facto de não se ter dado pertinência à discussão das reais razões da guerra seu impacto e provável responsabilização dos beligerantes faz com que o país pague já uma factura bastante alta, pois os ressentimentos estão privatizados na mente das pessoas de forma individual. De seguida transcrevemos. Com a devida vênia, partes da entrevista que a jornalista Anabela Massingue manteve manteve com o psicólogo Bóia Júnior e publicada no jornal Notícias.
NOT - Vários crimes hediondos têm acontecido na sociedade moçambicana nos últimos tempos, nomeadamente assassinatos, violações, linchamentos, etc., provocando indignação da sociedade. Que leitura pode fazer destes fenómenos?
BJ - Estamos num país onde não há ainda uma tradição de registo de ocorrências de uma maneira que podemos considerar fiável. O que temos é uma situação em que os órgãos de informação, têm neste momento o acesso a casos ocorridos e noticiam. A Polícia também tem conhecimento e esses casos são registados. Significará isto que há maior número de casos ou um maior acesso a esse tipo de informação? Outra coisa que eu penso que temos que olhar face a estes acontecimentos é a trajectória do nosso país nos últimos anos. Se formos a ver a situação no pós-independência tínhamos tudo mais controlado que hoje, com os grupos ginamizadores a funcionarem, onde todos conheciam-se, tínhamos um sistema com o partido único, pouca movimentação das pessoas. Passamos para uma fase marcada pela guerra em que a mobilidade das pessoas era também muito pouca, os bens de consumo também poucos, um controlo social grande. Depois dessa fase, trabalhei com crianças ex-soldados na Manhiça, Manjacaze e Zambézia onde fizemos registo de muitas atrocidades que foram cometidas durante o conflito armado.
NOT- A que conclusões chegaram com o trabalho feito nesses lugares?
BJ - O trabalho mostrou que em Moçambique temos uma situação que é mesmo de distúrbios de socialização. Nós temos toda uma geração de crianças e jovens, nas zonas rurais do país, que cresceram num mundo onde era normal ter uma arma, onde as mortes eram normais, onde as violações também eram normais e todas as atrocidades que aconteceram. Será que é normal passarmos por isto tudo e não pagarmos um preço por isto? Será que isto pode ser eliminado do imaginário da memória colectiva? Eu não creio que possa ser porque o que nós fizemos de alguma maneira deixa um registo. Ademais, estamos num país onde no pós-guerra não fizemos um trabalho como acontece noutros países, onde se criam tribunais de paz e reconciliação, para tentar perceber o que aconteceu, dar significado e assumir que tudo o que aconteceu é uma coisa que estava delimitado num espaço social, histórico, político e que terminou com aquele momento. O que tivemos é que muitas das antigas crianças-soldado foram para a África do Sul à procura de melhores condições de vida, apercebemo-nos que os níveis de criminalidade naquele país são altos, e o que está a acontecer com essas pessoas? Imagine alguém que tem uma experiência de guerra em Moçambique e vai parar a África do Sul onde a guerra não era organizada como a nossa que opunha duas frentes, mas uma guerra que a pessoa faz para sobreviver? Lá era cada um por si, uma autêntica privatização da violência e essas pessoas vão e vêm, o que acabam tendo reflexo no nosso seio.
NOT - Na sua óptica o que teria falhado nesse processo?
BJ - Eu penso que falhou a componente de reconciliação, na qual perceberíamos o que aconteceu, percebermos os danos psíquicos que a guerra criou à sociedade moçambicana, o que não foi abordado. Quando olhamos mesmo agora, para os programas de educação nas nossas escolas, vemos que o conflito militar, que é parte da nossa história, não é algo de atenção, nós não analisamos. Mas quando falamos individualmente com as pessoas, este perdeu um pai, na Estrada Nacional, outro uma mãe, outro viu um filho a ser pilado aqui na Manhiça, etc. Onde é que isto tudo ficou? Privatizamos na mente do cidadão e esperamos que ele resolva. A mobilidade é outro aspecto. Nos EUA, por exemplo, onde há uma grande migração e mobilidade dos jovens da América Central e do Sul para EUA, alguns deles envolvidos em “gangs”, as chamadas marras está a acontecer o fenómeno da deportação dos jovens não cidadãos dos EUA, para seus países de origem. Nesses países, os níveis de criminalidade aumentaram bastante. Aqui em Moçambique com o factor migração, não podemos ter um vizinho como África do Sul com altos índices de criminalidade e pensarmos que vamos ficar totalmente impunes. No El Salvador por exemplo, reportam-se situações do efeito da guerra como esta: antes da guerra a mulher andava à vontade com uma carteira a tiracolo, mas depois da guerra isso passou a ser totalmente impensável de tal maneira que quando a mulher é assaltada todos questionam se ela não sabia que deve andar com a carteira escondida debaixo do braço. Para dizer que quando os índices de violência aumentam, a aceitação da mesma por parte da sociedade também aumenta. Moçambique tem actualmente muitos objectos de consumo. Antes estávamos numa situação em que éramos todos iguais e não tínhamos quase nada e passamos para a outra em que uns têm demais e os que não têm quase nada. Aí nasce a inveja de querer ter algo que não esteja ao nosso alcance e não concretizando, o ser humano envereda por uma força destrutiva para repor a igualdade.
Criticar o que vemos nos “media”
NOT - A exposição a que estamos sujeitos, ao termos acesso a tecnologias de informação e de comunicação não teria de algum modo uma influência directa na maneira de ser no contexto da criminalidade?
BJ - Eu penso que sim, mas dentro do binómio educação e repressão. Repare que quando nascemos como seres humanos temos todo um potencial de auto realizarmos, temos uma carga ideológica hereditária e uma matriz que se permite formar sob ponto de vista psicológico, social, etc. A educação é bastante importante para moldar o comportamento humano. Imagine uma cidade como Nova Iorque e Washington, com um tráfego de milhões de carros entre as duas cidades, basta que uma pessoa decida entrar na auto-estrada no sentido contrário, para o tráfego entre duas grandes cidades do mundo parar. A conduzir mesmo aqui em Maputo, alguém chega a um semáforo verde e continua a conduzir, não parte do princípio de que quem vem do outro lado possa decidir mudar as regras ou parar no verde e andar no vermelho. Ao entrar para um avião a pessoa nunca pergunta se o piloto tem licença, mas é obrigada a acreditar que ele é piloto está bem de saúde, foi bem treinado para aquele trabalho. O mesmo acontece com o médico no hospital que nunca questionamos o certificado dele e fazemos tudo o que ele manda fazer. Para funcionarmos em sociedade, temos que assumir sempre todo um conjunto de coisas que o outro é credível o que se consegue através da educação, que molda o comportamento. Depois está a repressão que é uma linha imaginária em que todo o indivíduo deve saber que se passa essa linha tem que haver uma repressão. Que se eu passo num semáforo vermelho há um polícia em princípio ou alguém que vai dizer que isso não se faz. Até o próprio padre que em princípio é o símbolo da moral, da ética se ele souber que não há controlo, é capaz de chegar num supermercado, querendo um chocolate e sem dinheiro naquele momento, meter o chocolate na batina. Mas ele não o faz porque imagina o que pode ser dito dia seguinte a seu respeito. O medo da repressão é bastante importante. Nós estamos em Moçambique uma situação, onde vemos cada vez mais a televisão ou ao abrirmos um jornal vemos que se permite a violação das normas, o que é perigoso. Quando nós como Governo aprovamos uma lei e não criamos mecanismos para que ela seja cumprida e caso não, os infractores punidos, criamos uma situação complicada. Agora, ver na TV o que acontece noutros países, não tem nada a ver com o que acontece, na realidade. As pessoas devem ter uma posição crítica face aos conteúdos de que têm acesso, ver o que é importante.
Not – Sente aqui a falta da “mão pesada” do Estado contra os malfeitores?
BJ - Nos dois lados. Concordo que a nível da educação temos que fazer muito. Por exemplo, na associação para qual trabalho, a ARE temos neste momento um projecto denominado “Este corpo é meu”. A motivação tem a ver com o facto de um pai ou uma mãe que leva uma criança a uma escola e vai para o seu local de trabalho poder, dia seguinte, receber a informação de que um mau professor na escola meteu-se com a sua filha prometendo dar notas em troca do sexo, etc. Quando ouvimos esses escândalos nas escolas ou de funcionários que vendem os enunciados, ou quando um polícia nos pede suborno na rua o que está a acontecer? Sob ponto de vista da educação podemos fazer muito melhor.
Not – De que forma se pode fazer esse melhor…?
BJ - Não permitindo que professores que se metem em esquemas de corrupção continuem a dar aulas, que polícias que pedem suborno na rua continuem na corporação, fazer com que a escola seja algo dignificante, sabermos que ao ver uma farda de um trabalhador da Polícia ou das Alfandegas, significa aquele indivíduo está ali para nos proteger, que ele é o símbolo do Estado, da ordem ou da luta contra a corrupção. Outra forma é educando as nossas crianças para terem um posicionamento crítico, é a tal cidadania. Saberem denunciar quando um director de uma escola faz algo errado. Saberem proteger a escola como um bem público, mas toda esta parte relacionada à educação e muito importante é algo que não é apenas da responsabilidade do Estado, mas também do pai, do cidadão que deve saber que quando temos o lixo dentro do nosso carro, não devemos atirar pela janela. Aliás, só para citar um exemplo, se atravessamos a fronteira de Ressano Garcia, do lado sul-africano está tudo muito bonito e ao entrar para o lado moçambicano, o quadro muda completamente: é o mesmo viajante que do lado da África do Sul não atira um papel sequer que ao passar para cá atira latas das janelas do carro. Isso não depende da educação formal mas uma educação de maneira mais abrangente que tem que acontecer muito mais. Turmas com 50 alunos o que é mais frequente nas nossas escolas, fazem com que o professor seja um indivíduo que está lá para “despejar” a matéria e não necessariamente um educador, porque este molda a personalidade da criança, seus valores morais, etc., conseguirmos que ele seja um educador, que a escola seja um centro educativo das nossas crianças, conseguirmos que entre a educação que se dá nas escolas e a que damos na família ou na nossa aldeia, não haja grandes disparidades pois, o que acontece muitas vezes é que a nossa escola transmite valores que são bons para aquele que vive na cidade, na Europa mas as vezes não são muito relevantes para a cultura daquelas comunidades que recebem esse tipo de educação. O Homem é um capital mais importante que qualquer sociedade tem, mais importante do que os recursos minerais. Há países pobres em recursos minerais, mas ricos devido ao seu potencial humano e aí precisamos mais investimento na educação, precisamos de mais investimento de forma a conseguirmos que aquelas estruturas repreensivas do Estado funcionem e cumpram o seu papel no sentido de as pessoas saberem que violar a lei é um crime punível. 
Coisificação do ser humano pode explicar homicídio vs violação
Muitos dos homicídios reportados nos últimos dias têm sido antecedidos por violação sexual, um acto visto pelo nosso entrevistado como estando relacionado com a coisificação do ser humano. 
Not - Que relação existe entre os homicídios que ocorrem e a violação sexual, dois fenómenos que ultimamente têm acontecido em simultâneo?
BJ - Eu penso que quando falamos da violação sexual, estamos perante uma situação em que um indivíduo que se julga mais forte forçou a outra psicológica ou fisicamente para a satisfação das suas necessidades sexuais. Mas há outra dimensão que é a de objecto. Nós somos seres humanos caracterizados por ter uma vontade própria de poder decidir sobre aquilo que acontece com o nosso próprio corpo, nossa psique, planificar o nosso futuro mas, acontece que aparece uma pessoa mais forte porque tem uma arma, porque tem um poder de persuasão maior, obrigar a outra pessoa a fazer algo contra a sua vontade, transformando-o num objecto, retira a este indivíduo a sua condição de ser humano, de poder decidir por aquilo que é o mais importante sobre o seu corpo, a sua sexualidade. O outro espaço é a satisfação das minhas necessidades, mato a este objecto para que ele não me denuncie nem venha a sofrer consequências jurídicas, criminais ao ser processado. Por isso resolve o problema matando a vítima. A ligação da violação sexual e homicídios encontra-se documentada em várias realidades, o que é justificado na perspectiva do violador.
Not - Quando um pai que tem por obrigação proteger seu próprio filho é ele que no lugar de fazer isso retira-lhe a vida. Que explicação é que se pode dar a isso: será a cadeia, o lugar ideal para esse indivíduo?
BJ - Em todas as sociedades e em todos os tempos nós encontramos psicopatas, sociopatas, pessoas que não têm apatia por outro ser humano, que acham que são centro do mundo e podem fazer e desfazer segundo a sua vontade. Esses indivíduos são um perigo para eles próprios, para a sociedade e a sociedade tem que se proteger encarcerando em instituições onde eles possam ficar isolados. Penso que começa a haver um movimento no sentido de perceber que algumas das pessoas encarceradas não são necessariamente psicopatas e sociopatas, que não tenham nenhuma possibilidade de voltar à convivência social, e aí é quando a psicologia e a psiquiatria é chamada a participar. Noutros países há o internamento em psiquiatrias forênsicas onde se faz acompanhamento de um psicólogo e um psiquiatra ou agente social que muitas vezes avaliam o comportamento dele para saber se ele está apto a voltar ao convívio humano ou se deve continuar a ser considerado um perigo para a sociedade e manter-se isolado. Há casos em que não é a psiquiatria ou psicologia que lhe devem dar acolhimento, mas é mais o direito e a obrigação que o Estado tem de proteger o cidadão. No caso dos moçambicanos nós sabemos muito pouco. Devíamos ter investigadores que pudessem ver se se trata de factores isolados ou que mostrem uma ponta de um iceberg do que nós não vemos. Digo isso porque falei com praticantes da medicina tradicional e eles dizem que não utilizam seres humanos, mas sim animais para simbolizarem seres humanos nas suas curas. Mas também antagonizam a indústria farmacêutica que dizem estar a utilizar seres humanos para fazer produtos farmacêuticos que aumentem a potência sexual o que eu não creio, também se fala de seitas religiosas …etc., ou se existe alguém psicótico que diz tragam seres humanos que vou vos dar potência (…)
Não há seguimento dos casos reportados!
NOT - A quem competiria aprofundar mais sobre o assunto que é denunciado às autoridades e sobejamente abordado pela Imprensa?
BJ - Compete fundamentalmente às instituições ligadas à investigação. Penso que lançado um caso ou por via da “media”, tinha que se fazer um trabalho de aprofundamento. O que ocorre muitas vezes aqui no nosso país é lançar-se um caso bastante badalado que escandaliza a todos e não haver nenhum seguimento. Depois do escândalo ficamos sem saber o que efectivamente aconteceu. Por outro lado, há obrigação dos cientistas, universidades, sociólogos, psicólogos e mesmo agrónomos e etc., porque a razão de existência destas pessoas e destas profissões é que elas conseguem interferir com o único meio onde eles vivem e conseguem com o conhecimento deles melhorar as condições de vida deles e dos seus concidadãos. São assuntos importantes para a sociologia investigar, fazendo um seguimento e saber se de facto existe ou não e se existe onde é que existe e de que forma existe e podermos decidir o que fazer para mitigar, prevenir, etc. Aqui estamos perante uma situação em que temos muito pouca informação. Muitas vezes ficamos chocados com estes casos e é bom que fiquemos porque eles ferem sensibilidades, mas se olharmos para a história da sociedade humana vamos ver por exemplo na América Central, no Peru, os incas acreditavam que era necessário fazer sacrifícios humanos para que o sol nascesse todos os dias porque acreditavam que quando o sol se punham só voltaria a aparecer dia seguinte se sacrificassem alguém e caso contrário ficariam nas trevas. Na bíblia, na religião cristã, encontramos o exemplo em que Deus teria mandado Moisés sacrificar seu filho primogénito como prova de amor que tem por Deus e quase que Moisés o faria. Jesus Cristo veio à terra e é crucificado e morto para salvar todos nós os pecadores. Aqui pegamos o sacrifício humano, colocamos no pedestal como um sinónimo mais alto de abnegação, de amor pelo outro. Um filho de Deus que morre para salvar todos nós, o sangue dele lava todos os nossos pecados. Nas sociedades africanas também tínhamos certos fenómenos. Elas eram violentas, havia guerras, havia escravos. Num passado recente, por causa da guerra vimos crianças a aprender a beber água em crânios humanos, para dizer que este potencial destrutivo, de olharmos para um ser humano não como um ser como nós com mesmo valor, com mesmo respeito não é algo novo. Um pai matar o filho é algo bastante complicado tendo em conta toda uma série de elementos de amor, afecto, carinho, uma ligação emocional com aquele ser que é parte dele próprio. Um pai normal nunca comete uma fantasia destas. Quando um pai mata uma criança, há algo muito errado que aconteceu com este pai. Não é algo que faça por ter visto antes na televisão, mas o mais provável é aquele senhor ter, provavelmente, vivido uma experiência traumática, numa idade tenra, onde ele não tinha capacidade para julgar o que é bom e o que é mau e incorporou isso como maneira de lidar com outros seres humanos.
Pagamos por não ter falado do que aconteceu na guerra
Um dos altos preços que a sociedade moçambicana está hoje a pagar foi de ter logo nos primeiros anos da vigência do Acordo Geral de Paz, falado do que aconteceu aos moçambicanos e prepararmos a sociedade no sentido de que o que aconteceu pertence a um contexto social político já passado.
Not - A organização liderada pelo Dr. Boia, a Associação Reconstruindo a Esperança, uma iniciativa de recuperação de menores instrumentalizados durante o conflito armado, replicou a experiência noutros pontos do país? Continua ou que já não faz sentido?
BJ - Primeiro foi um trabalho único tendo em conta que nós temos construído um Moçambique a partir da cidade capital. Mas se formos a sair uns poucos quilómetros das capitais provinciais, da cidade de Maputo encontramos realidades muito diferentes em que quem cura as pessoas já não é o médico mas o praticante da medicina tradicional, as pessoas regem-se por valores relacionados com a sua cultura, com a sua família, etc., então encontramos muitas contradições. Nas cidades tornamo-nos adultos quando atingimos 18 anos, saímos um pouco da cidade e encontramos que uma criança quando tem a primeira menstruação deixa de ser criança, o rapaz com pelos na região pélvica já é um homem. Então tivemos que aprender a valorizar as nossas crenças, as nossas formas de cura e perceber porque a medicina tradicional não consegue resolver quando não consegue resolver, logo há uma abertura para tentar novas formas e tentativas de cura. Peso que esta experiência de ligar o que é o discurso universal da ciência com a realidade moçambicana foi bastante importante para a associação, criar uma psicologia virada para a realidade moçambicana.
Por Anabela Massingue 
RM – 02.09.2012