terça-feira, 4 de setembro de 2012

Moçambique, terra queimada (xii)

Perseguição religiosa
Também sem qualquer discriminação, Samora Machel desencadeou ofensiva contra todas as confissões religiosas. Nenhuma parece ter escapado.

Na imagem: Meca

Em insulto sem precedentes o ditador moçambicano entrou na mesquita sagrada da Ilha de Moçambique, sem se descalçar. Humilhou os "che", perante muitos fiéis maometanos congregados para receber o novo presidente. Não perdoava que os devotos de Meca (que somam ao redor de três milhões de crentes em Moçambique) se recusassem a aderir às doutrinas marxistas de que se convertera em arauto.

O contraste com a tolerância portuguesa ficou patente para toda essa gente. Recordam os tempos em que o governador-geral (Baltazar Rebello de Sousa) participava publicamente nas suas orações e a eles se dirigia, com respeito ecuménico, durante as solenidades que decorriam das prescrições do Profeta.

Os cristãos não-romanos tiveram igual sorte.

Leia-se o jornal sueco "Expressen" que, pela pena de Eric Sjoequist, denuncia a perseguição sofrida. A este se juntou o médico-missionário escandinavo, Dr. Koorsning, para descrever como milicianos invadiram os templos, as escolas e os hospitais e obrigaram a tudo abandonarem, sob a ameaça das armas. Os missionários estrangeiros, que tantas vezes tinham tomado a defesa da "Frelimo", foram acusados de serem agentes do imperialismo e de entravarem a marcha da revolução.

Creio, no entanto, que a seita religiosa que directamente mais sofreu foi a das "testemunhas de Jehovah". Dezenas de milhar (as melhores estimativas cifram-nos em 400 000) tinham procurado refúgio em Moçambique depois de serem perseguidos nos territórios vizinhos, especialmente no Malawi, por se recusarem a participar em qualquer actividade política. Percorri muitos desses campos de refugiados, estabelecidos pelas autoridades portugueses, em laboriosos trabalho de identificação (como cônsul do Malawi) para impedir que criminosos comuns com elas se misturassem, beneficiando da protecção que lhes era concedida em base humanitária.

Não tive quaisquer dificuldades. Encontrei sempre a melhor colaboração dos portugueses e dos refugiados. Entre estes encontravam-se médicos, engenheiros, advogados e abastados comerciantes.

O Malawi, mesmo não reconhecendo a seita, apreciava o filantrópico procedimento português e colaborou nas facilidades solicitadas para a saída de famílias ou bens, enquanto que o seu governo partilhava nos encargos com o sustento dessa gente.

Com o advento de Samora Moisés Machel tudo foi revirado repentinamente. E sabia-se que os guerrilheiros da "Frelimo" haviam utilizado os campos de refugiados para neles se abrigarem ao serem perseguidos pelas tropas portuguesas. Tinha acontecido isso na Angónia, em Milange e em Nova Freixo.

À ponta da baioneta os desgraçados foram obrigados a cruzar a fronteira para serem entregues às autoridades vizinhas. Os que tentaram escapar-se para permanecer em Moçambique foram tratados com incrível violência. Recebi cartas de membros da seita ccom quem tinha feito amizade, relatando as mortes, as feridas e fracturas graves ou os abusos sexuais. Calcula-se que mais de 3 000 pessoas foram friamente eliminadas. O próprio governo do Malawi, que os perseguira, apiedou-se deles e ofereceu-lhes abrigo contra tais excessos.

Na imagem: Jehovah

Mesmo assim, mais de dez mil "testemunhas de Jehovah" encontram-se hoje, em condições sub-humanas, em campos de trabalho nos distritos da Angónia e de Milange.

A Igreja Católica também não se eximiu à perseguição.

Em documento circulado pelo partido, foi acusada de actuação contra-revolucionária que procura obstaculizar a marcha da democracia-popular. Referiu-se a necessidade de "separar do Vaticano a Igreja de Moçambique" e (até mesmo!) de alterar a liturgia e as orações.

O Bispo de Nampula, um dos mais activos frelimistas do período colonial, foi restringido à zona do seu paço e notificado, por um cipaio, da decisão das autoridades de não lhe consentirem que pregasse na catedral.

Os bispos moçambicanos que sempre encontravam fórmulas, ainda que vagas, de criticar as autoridades portuguesas nos seus comunicados públicos e de as afrontar nos relatórios para Roma parecem remetidos a silêncio envergonhado.

O que terá acontecido aos missionários espanhóis tão largos no falar em defesa do seu povo cristão? Que é feito da voz de D. Eurico Noronha (respeitado Bispo de Vila Cabral e depois transferido para Sá da Bandeira) que se ofereceu para advogado dos padres-marxistas do Macuti, conforme carta que me escreveu?

Porque se calou, também, a Igreja Católica?

Impressiona a forma como desapareceu a coragem ao eminente Núncio Apostólico em Lisboa que tão presto era em denunciar as prepotências portuguesas.

Igualmente o Padre Hastings, denunciador dos massacres do Wiryamu, cala-se quando hoje se cometem verdadeiros e comprovados genocídios em Moçambique, que excedem tudo o que de imaginoso sobre as atrocidades portuguesas relatou em plena primeira página do respeitável "The Times" de Londres.

Na imagem: D. António Ferreira Gomes (Bispo do Porto)

Nem o Bispo do Porto, tão fértil no apoio às acusações contra a guerra colonial, tem hoje uma palavra de caridade para as centenas de milhares de cristãos que penam em Moçambique uma das mais violentas perseguições religiosas que os tempos modernos conheceram.

Onde estão as cartas pastorais e as homilias versando o tema "Paz e Justiça"?

Há em tudo isto um silêncio cúmplice.

Ou há uma vergonhosa falta de coragem.

Como excepção confortadora pode apontar-se a figura admirável do Arcebispo de Braga, Primaz das Espanhas, que se ergue com personalidade ímpar dizendo as coisas pelos seus nomes. Mesmo depois dos vexames sofridos na sua dignidade de homem e de sacerdote impecável que até sabe perdoar.