sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Sem futuro


Em Atenas, quatro anos de tombos sucessivos da produção nacional e do rendimento da população helénica; em Lisboa, o levantamento contra uma medida que se constituiu como a gota de água a transbordar o copo da fadiga fiscal dos portugueses; em Madrid, o avança/recua no pedido de resgate à UE e ao FMI, para tudo ou só para a banca, enquanto cinco das dezassete regiões autonómicas estendem a mão à caridade de Madrid, a próspera Catalunha dá sinais de não temer o divórcio litigioso com Castela e as manifestações de rua espelham a crescente crispação de uma juventude no desemprego.
Cada caso é um caso, com a crise financeira, política e social a manifestar-se em graus diferenciados de gravidade, de país para país. Mas já não é possível ignorar a crescente contestação popular à receita do ajustamento sob tutela da troika (ou em vias de o estar). E chegou-se a este ponto crítico - que faz recrudescer as tremuras da desconfiança dos credores -, porque as forças políticas e sociais que têm vindo a sustentar os programas de ajustamento em cada país manifestam crescentes dificuldades em convencer os cidadãos de que os sacrifícios pedidos estão a produzir resultados benéficos.
Pelo contrário. Ninguém se atreve a vaticinar o fim desta espiral de recessão, de metas orçamentais não cumpridas e de aumento da pilha da dívida - em vez da sua pretendida diminuição. Tudo vai sendo empurrado para mais um ano. De caminho, rompe--se o contrato social entre eleitos e eleitores, sem recuperação à vista. É chegada a hora de um debate nacional inclusivo sério, tão longo e profundo quanto for necessário, para que o povo entenda e aceite que está ao nosso alcance fazer que resulte.
O caso de Julian Assange
O fundador do sítio WikiLeaks, Julian Assange, falou ontem na ONU, por videoconferência, iniciativa do embaixador do Equador junto da organização. Assange não disse nada de novo: criticou Barack Obama e o seu discurso de terça-feira na ONU sobre liberdade de expressão e mudança no mundo árabe; procedeu à autovitimização, enquanto o representante diplomático equatoriano considerou que o Governo de Londres está a violar os direitos humanos de Assange. Isto porque, uma vez extraditado para a Suécia, onde enfrenta acusações de violação e agressão sexual, poderia ser extraditado para os EUA, num segundo momento, onde seria suscetível de ser considerado "inimigo" e, como tal, enfrentar uma possível pena de morte.
O que nunca foi referido é que nem a Grã-Bretanha nem a Suécia (membros da União Europeia) podem extraditar indivíduos para países onde possam ser condenados à pena máxima. E se há algo que se pode evocar sobre os sistemas judiciais dos dois países é um sentido de objetividade e imparcialidade não equiparáveis ao que a prática demonstra, por exemplo, em países que se afirmam defensores de Assange. Assim como não é dito que o Presidente equatoriano, Rafael Correa, foi entrevistado por Assange no programa deste numa televisão russa e que a linha de argumentos de ambos é, pelo menos, tendencialmente coincidente com coligações de interesses que, como tudo o que respeita a estratégias internacionais, estão longe de ser inocentes.
Esta é a realidade da política internacional, e é neste contexto que a questão deve ser entendida. Escudando-se sob o direito à liberdade de expressão, o fundador do WikiLeaks não é uma vítima inocente - é um agente político. Sem se entender este aspeto, não se entende o "caso Assange".