sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Donald Trump desdenhava do lóbi pró-Israel. Mas depois fez-lhe a vontade


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No início da sua campanha, Trump fazia pouco dos adversários que tinham o apoio do poderoso lóbi pró-Israel dos EUA. Mas mais tarde conseguiu o seu apoio — e com ele vários milhões em contribuições.
Em maio, durante o seu périplo pelo Médio Oriente, Donald Trump fez a sua primeira visita oficial a Israel
Lior Mizrahi/Getty Images
Durante os anos de Barack Obama, o poderoso lóbi pró-Israel, um dos mais influentes na política norte-americana, teve uma espécie de travessia no deserto. Apesar de terem doado perto de 45 milhões a políticos democratas (contra quase 30 milhões a republicanos) enquanto ele foi Presidente, Barack Obama esteve por detrás de duas decisões em tudo contrárias àquilo que o lóbi pró-Israel defende. Primeiro, o acordo nuclear com o Irão, o maior rival de Israel na região do Médio Oriente. Segundo, a cerca de um mês de deixar a Casa Branca, Obama permitiu que o Conselho de Segurança da ONU condenasse os colonatos israelitas para lá da Linha Verde de 1967.
Durante grande parte da sua campanha, Donald Trump indicava que, no que toca a Israel, iria fazer tudo diferente do seu antecessor. Ora, passado pouco mais de um ano da sua eleição, e menos de 12 meses depois da sua tomada de posse, o Presidente dos EUA não tem perdido tempo a cumprir as suas promessas no que diz respeito à questão israelita. Depois de muita especulação, Donald Trump recomendou em outubro ao Congresso a retirada dos EUA do acordo nuclear com o Irão — um passo essencial, já que é àquele órgão que compete a votação final. E esta quarta-feira desafiou o consenso internacional e fez dos EUA o único país a reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, um gesto simbólico que preocupa vários líderes internacionais e já levou o Hamas a apelar a uma nova intifada.
Decidi que chegou a altura de reconhecer oficialmente Jerusalém como a capital de Israel. Enquanto presidentes anteriores fizeram esta enorme promessa durante as suas campanhas, todos falharam e não a cumpriram. Hoje, estou a cumpri-la”, disse Donald Trump esta quarta-feira.
Porém, o que a história recente de Donald Trump sugere é que, apesar de agora fazer alarde desta sua decisão, o atual Presidente dos EUA nem sempre demonstrou a mesma firmeza pró-Israel. Só passou a fazê-lo de forma clara depois de receber o apoio político e monetário de alguns dos doadores judeus e pró-Israel da política norte-americana, inclusive Sheldon Adelson, o maior empresário do negócio dos casinos do mundo e um amigo próximo do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu.

Quando Donald Trump desdenhava o lóbi pró-Israel

Diz o ditado que “quem desdenha quer comprar” e Donald Trump cumpriu essa máxima com Sheldon Adelson. Em outubro de 2015, quando já estava em campanha mas muito poucos pensavam que ele podia chegar à Casa Branca, Donald Trump acusou o seu adversário Marco Rubio de ser o “fantochinho perfeito” daquele magnata judeu. “Sheldon Adelson está a ver se dá uns bons dólares ao Rubio porque acha que consegue moldá-lo e fazer dele o seu fantochinho perfeito. Concordo”, escreveu em outubro de 2015.
Dois meses depois, em dezembro de 2015, Donald Trump esteve reunido com o próprio Sheldon Adelson. No final da reunião, o magnata dos casinos disse: “Foi muito agradável (…) Ele foi muito cativante”. E Donald Trump adotou uma linguagem mais positiva para falar do mesmo homem que acusava de querer ter fantoches na política. “O Sheldon sabe que ninguém vai ser mais leal a Israel do que o Donald Trump”, disse. E acrescentou: “O Sheldon e eu já somos amigos há muito tempo. Ele é um homem incrível. Sou o único que não precisa do dinheiro dele, mas adoraria ter o seu apoio”.
Sheldon Adelson, magnata dos casinos, é um dos maiores doadores do lóbi pró-Israel nos EUA — e também apoiou Donald Trump, com vários milhões de euros (Win McNamee/Getty Images)
Em fevereiro, Donald Trump teve um deslize quando disse que ia tentar ser “neutro” na mediação do conflito entre Israel e a Palestina. Em março, voltou a agradar ao lóbi pró-Israel quando falou no seu maior evento anual: o congresso do American Israel Public Affairs Committee (AIPAC). Também passou por lá Hillary Clinton — que teve a difícil tarefa de, sem a antogonizar, convencer a plateia dos méritos do acordo nuclear com o Irão —, mas foi Donald Trump que disse o que mais colhia naquela sala.
Vamos transferir a embaixada americana para a eterna capital do povo judaico, Jerusalém. E vamos enviar um sinal claro de que não há nada que separe a América do nosso aliado mais confiável, o Estado de Israel”.
No início de maio, o Presidente norte-americano tornou a responder “presente” a uma das causas da ala mais conservadora do lóbi israelita, em declarações ao Daily Mail. Quando lhe perguntaram sobre a continuação da construção de colonatos israelitas, que as Nações Unidas condenam, Donald Trump disse: “Não, acho que não deve haver uma pausa. Repare: há mísseis a serem lançados contra Israel. E Israel nunca foi tratado como deve ser pelo nosso país. Tem noção do quão devastador isso é?”.
Uma semana e meio depois, também em maio, Sheldon Adelson deu não só o seu apoio político a Donald Trump, como o seu apoio financeiro. Segundo os relatos que surgiram na imprensa, Adelson de um total de 45 milhões de euros que doou a políticos republicanos, 25 milhões foram diretos para grupos de ação política de apoio a Donald Trump. Se o número por si só diz pouco, o seu significado aumenta quando colocado ao lado dos 18,3 milhões que Donald Trump declarou ter investido na sua própria campanha.
Além de Sheldon Adelson, Donald Trump contou com o apoio financeiro de outras influentes personalidades que apoiam e sustentam o lóbi pró-Israel, como o empresário e dono da equipa de futebol americano New England Patriots, Robert Kraft, ou o empresário Paul Singer, que passou de crítico anti-Trump a seu defensor. Ainda assim, é com os democratas que o lóbi pró-Israel continua a gastar mais dinheiro — um sintoma de que naquelas fileiras ainda há quem falte convencer para a causa israelita, ao contrário do que se passa entre os republicanos.

Tillerson não queria embaixada em Israel, mas Trump explica: “A decisão final é minha”

Fast-forward para 2017.
Em junho deste ano, Donald Trump chegou a hesitar e voltou a fazer o mesmo que os seus antecessores fizeram sucessivamente desde que, em 1995.O Congresso aprovou o Jerusalem Embassy Act: aprovou a decisão de transferir a embaixada para Jerusalém. Nessa altura, muitos voltaram a reforçar a ideia de que, afinal, o lóbi pró-Israel não tinha tanta força quanto isso. Porém, a nota emitida pela Casa Branca nessa altura deixava margem para uma démarche no futuro próximo. “O Presidente Trump tomou a decisão de maximizar as oportunidades de negociar um acordo entre Israel e os palestinianos, cumprindo a sua obrigação solene de defender os interesses da segurança nacional da América. Mas, uma vez que ele tem repetido a sua intenção de transferir a embaixada, a questão não é se a mudança vai acontecer, mas quando“, lia-se naquela nota.
Jared Kushner, genro e conselheiro superior de Donald Trump, que é judeu ortodoxo e conhece Benjamin Netanyahu, tem conduzido a política da Casa Branca para Israel (ETTORE FERRARI/EPA)
Nessa altura, sabia-se que o Secretário de Estado norte-americano e chefe da diplomacia dos EUA, Rex Tillerson, não estava de acordo com essa mudança — conseguindo adiar essa decisão. Recentemente, surgiram relatos de que Donald Trump estava já a preparar a substituição de Rex Tillerson. Além disso, não faltaram as notícias de que Donald Trump retirou várias vezes dossier de Israel das mãos do seu Secretário de Estado, entregando-a nas mãos do seu genro e conselheiro superior, Jared Kushner, judeu ortodoxo que conhece Benjamin Netanyahu desde criança.
Dias depois das notícias que indicavam que Rex Tillerson estava por um fio, o Presidente foi igual a si próprio e disse que era fake news e fez por elogiar o seu Secretário de Estado. Porém, não deixou de aproveitar a oportunidade para dizer que os dois estão em desacordo “nalguns temas” e para deixar claro quem mandava: “A decisão final é minha”. E foi — mesmo que para isso tenha tido um empurrão.
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