quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

“Caso Valentina Guebuza” e as perguntas que ficaram sem resposta


A Oitava Secção do Tribunal Judicial da Cidade da Cidade de Maputo vai proferir no próximo dia 23 de Janeiro a sentença do “Caso Valentina Guebuza”, que tem Zófimo Armando Muiuane como réu, indiciado de ter assassinado, com uma arma de fogo, a sua própria esposa, Valentina Guebuza, filha de Armando Guebuza, ex-Presidente da República.
Embora a leitura da sentença não seja o desfecho do caso, se tivermos em conta que vão restar ao réu vários recursos, os advogados do réu Zófimo Muiuane dizem que ficaram sem resposta às suas perguntas feitas no tribunal sobre:
– por que é que, após a legalização da prisão de Zófimo Muiuane, o processo que estava na Décima Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, nas mãos do juiz Salomão Paulo Manhiça, uma magistrado com larga experiência na área criminal, e, da parte do Ministério Público, nas mãos da magistrada Ana Sheila Marrengula, foi transferido para a Oitava Secção e para outro juiz?
– por que é que o juiz Salomão Paulo Manhiça foi transferido no meio do processo, pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial, a pedido do advogado Alexandre Chivale, que também é membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial e advogado da família Guebuza neste processo?
– por que é que Mussumbuluko Guebuza, na qualidade de primeiro declarante, foi bastante contraditório ao afirmar que Valentina Guebuza não sabia disparar e nunca tinha frequentado a carreira-de-tiro, quando fotografias postas a circular nas redes sociais indicaram o contrário, visto que Valentina Guebuza sempre frequentou a carreira-de-tiro com os seus irmãos, Mussumbuluko Guebuza e Dambi Guebuza?
– por que é que o pastor Zitha, padrinho de baptismo de Valentina Guebuza, fez declarações infundadas no tribunal, com base apenas no que, antes, tinha ouvido Valentina Guebuza dizer?
– por que é que o tribunal deixou de investigar a ajudante-de- -campo sobre o que a “chefe Valentina Guebuza” lhe havia dito (que, em caso de ouvir algum barulho,  devia subir logo)? Que barulho Valentina Guebuza esperava que acontecesse naquele dia?
– o médico legista Hilário deu explicações exaustivas e convincentes ao afirmar claramente que a falta do exame de parafina no réu e na vítima torna o relatório da Medicina Legal não conclusivo, e não puderam também examinar a roupa de vítima, porque apenas receberam uma semana depois dos factos, e já estava contaminada, e remeteram à Criminalística para análise, não tendo resposta se foi feita, ou não. O médico legista Hilário disse em tribunal, sobre a disputa duma arma entre duas pessoas, que o processo de luta é dinâmico, e tudo pode acontecer, dependendo do nível de adrenalina da pessoa que tem a posse da arma; se a arma estiver virada para si mesma, pode disparar mais de duas vezes; tudo depende da adrenalina e da dinâmica da luta.
– a médica Stella Ocuane Matsinhe disse claramente que os exames que não foram feitos tornam o relatório de Medicina não conclusivo. O médico legista Hilário afirmou o mesmo. Apenas conseguiram apurar no corpo da vítima que os tiros não foram à queima-roupa, não tendo concluído se foram a curta distância ou a longa distância, por falta de exame na roupa da vítima, o que perimiria verificar a existência, ou não, de pólvora na roupa da vítima e confirmaria se foi, ou não, a vítima quem efectuou disparos, ou se foi, ou não, o réu.
Os advogados dizem também que os peritos de Biologia Molecular demonstraram não ter domínio nesta área, ao afirmarem com insistência “acho que”. O primeiro perito disse que houve mão humana para esconder o invólucro entre as almofadas, e, havendo essa desconfiança, por que é que não tirou impressões digitais no invólucro e nas almofadas e em outros objectos? Disse que não tiraram impressões digitais na arma que efectuou os disparos, para aferir quem teria pressionado o gatilho.
Esteve um perito de balística que apenas falou de probabilidades, possibilidades e impossibilidades, chegando a cometer o erro de dizer que o exame de parafina e ultravioleta não eram importantes para o esclarecimento de um suposto crime, o que criava dúvidas sobre a sua formação nesta área.
Disse não se ter concluído se os disparos foram a curta distância ou a longa distância, e depois de ouvidos cinco agentes da Criminalística e Balística no dia 28 de Dezembro de 2017. Este demonstrou no tribunal ser um desconhecedor total da área que dirige e baseia-se apenas em presunções, probabilidades e várias vezes se contradisse entrando na tendência dos advogados da acusação.
De dizer em tribunal que os exames de parafina e ultravioleta não foram feitos, mas que não impedem a balística de formar conclusão apenas que a arma efectuou disparos, o cartucho encontrado saiu daquela arma, e a respectiva bala e quem é o proprietário da arma. Não conseguem dizer quem efectuou os disparos por falta destes exames, mas presumem que tenha sido o réu. Disse que não sabia, porque não esteve lá no dia do incidente, e assim terminou este círculo sem ninguém poder dizer quem disparou aquela arma.
– Por que é que, no dia 28 de Dezembro de 2017, seis agentes da Polícia de Protecção foram ao tribunal com declarações contraditórias, embora tenham dito que foram eles que levaram o réu do ICOR (Instituto do Coração) até à 2.a Esquadra da PRM, na Av. Julius Nyerere, e estiveram todos juntos com o réu no carro?
– Pensava-se que a sessão de julgamento no dia 29 de Dezembro de 2017 se iniciasse com a acareação de Regina Mucavele, (que é a empregada que cuida da filha do casal), de Raquel Alvesque e a ajudante-de-campo de Valentina Guebuza, pastor (advogado) Amosse Zitha, padrinho de baptismo de Valentina Guebuza, e Eulália Gundana, mas o tribunal cancelou a acareação, a pedido dos advogados de defesa.
A juíza do caso, Flávia Vasco Mondlane deu início às alegações finais, dando palavra ao Ministério Público e, em jeito de praxe, o magistrado Paruque pediu pena máxima para réu, e, de seguida, falou o advogado de acusação, representado por Alexandre Chivale, membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial juntamente com Isálcio Mahanjane, ambos a defender a família Guebuza.
A defesa do réu pergunta se, perante a falta de resposta a essas perguntas, haverá matéria suficiente para uma sentença justa, se se tiver em conta os seguintes factos arrolados pela defesa:
1 – A Polícia, apesar de ter tido a posse da arma usada nos factos, não pôde tirar impressões digitais na referida arma para aferir quem disparou a mesma.
2 – A Criminalística / Balística recebeu a roupa de Valentina Guebuza duas semanas depois do acontecimento, e a roupa já estava contaminada, e não foi feito o exame ultravioleta para se aferir a existência, ou não, de pólvora na roupa, que determinaria se foi a vítima ou o réu quem disparou.
3 – Não foi feito o exame de parafina na roupa de Valentina Guebuza nem na do réu Zófimo Muiuane que permitisse aferir a existência, ou não, de pólvora, de modo a determinar quem teria feito os disparos.
4 – Também não foi feita a impressão digital na cápsula que a Criminalística/ Balística achou no local dos factos, e que diz que no lugar onde se encontravam foi-se esconder as almofadas, nas quais também não foram tiradas as impressões digitais.
5 – Não foram examinados os projécteis encontrados no local dos factos para determinar se são os mesmos que atingiram a vítima.
6 – O local dos factos não foi isolado ou interdito logo depois da ocorrência, e as chaves do imóvel estavam na posse do advogado Alexandre Chivale, e o local dos acontecimentos ficou contaminado desde a primeira hora, facto confirmado por um dos agentes da Criminalística, que disse que encontrou dois jovens no imóvel, quando a equipa foi para lá fazer a perícia.
7 – Os médicos legistas não se deslocaram ao local dos acontecimentos, tendo dito que não foram requisitados, o que é crucial para a descoberta de verdade material.
Segundo os advogados de defesa, todas estas perguntas não tiveram resposta em sede de tribunal, e perguntam como é que se pode chegar a uma sentença justa.
CANALMOZ – 18.01.2018

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