sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Economistas e Curandeiros


Mesmo que pareça estranho, faz pouco sentido esperar que um economista nos diga, com precisão, o que ha-de acontecer no próximo ano. Ninguém sabe! Alan Greenspan, antigo Presidente do Sistema Federal dos Estados Unidos avisou, no seu livro “The Age of Turbulence”, editado em 2007, que o mundo precisaria de duplicar o dígito das taxas de juro para controlar a inflação no futuro próximo. Todavia, essa taxas tem estado próxima de zero em grande parte do tempo desde então. E a inflação foi controlada! Joan Robinson, um dos mais conhecidos economistas, de orientação Keynisiana, visitou a Coreia do Sul em 1964 e concluiu que enquanto a Coreia do Norte continuava a desenvolver-se, e a parte Sul degenerava, cedo ou tarde a cortina de mentiras haveria, seguramente, de começar a despedaçar-se. Hoje, o desenvolvimento económico da Coreia do Sul é proclamado como um exemplo no mundo, enquanto a Coreia do Norte é um exemplo de repressão e atraso. O Professor Ravi Batra, economista norte-americano, laureado com o Premio Nobel, escreveu um livro intitulado "The Great Depression of 1990" no qual predizia um furacão económico de dimensão global para 1990. Esse livro chegou a ser classificado pelo jornal New York Times como o livro mais vendido em 1987. Sem embargo, 1990 é geralmente tido como o primeiro ano de uma era de alargado boom económico a nível mundial. Podia ir buscar outras centenas de exemplos de prognósticos de natureza económica que não só não se efectivaram, como sucedeu o contrario do que os especialistas ensinavam.
Vamos, no entanto, ser razoáveis! Vários economistas previram tanto a bolha das bolsas de valor de 2000, como a bolha imobiliária de 2008. Esta realidade não invalida o facto de que nenhum economista possui uma bola de cristal que lhe permita prever, com precisão, quando comprar e quando vender com lucro. Nenhum economista possui esta resposta. Existem, sem dúvidas, sabichões que atraem atenção excessiva da imprensa com a sua propensão para fazer previsões apocalípticas e são divinizados quando acontece, por alguma estranha circunstância, acertarem. Todavia, são mais comuns os desacertos do que muitos de nós estamos dispostos a admitir.
A nossa tendência para aclamar pessoas que projectam a impressão de possuir a presciência necessária para prognosticar eventos económicos de medio e longo prazos documenta, quiçá, a nossa perplexidade e a nossa inconformidade para conviver com a incerteza. Costumo comparar as pessoas que nos dizem ter o dom de conhecer o futuro da economia mundial ao curandeiro da minha aldeia de Madzukane, Mabatangwane. Uma das maiores satisfações deste benemérito é demonstrar, perante a comunidade Madzukanense, como ele acerta nos seus vaticínios. Enquanto os outros curandeiros, talvez menos dotados, procuram, com a sua ciência, curar as doenças físicas e espirituais das gentes daquele local e redondezas, Mabatangwane ocupa-se em adivinhar o que há-de ocorrer nas famílias, num futuro próximo. Entre todos os vaticínios que faz, ele costuma demorar, deleitosamente, nos mais apocalípticos.
Ele é perito em adivinhar coisas como: "Nesta família, nos próximos meses, alguém há-de adoecer". Ou esta outra: "se tu senhora, que estás grávida, tomares esta mistela que eu preparei, has-de dar luz em 9 meses". Que grande satisfação quando ele “acerta” e, depois de uns meses ou anos, alguém adoece na referida família! Ou quando, depois de haver tomado uma certa mistela, a mulher dá a luz em 9 meses! Nesses casos, Mabatangwane apresenta-se perante a comunidade, põe-se em bico dos pés, com a fronte alçada e com o indicador da sua mãozinha na testa, a reclamar como ele é visionário, como ele acertou nas suas previsões!
Como o laureado economista Paulo Samuelson enfatizou uma vez, numa coluna que escrevia para o Newsweek, em 1966, “Analistas citam estudos econômicos que alegam que as desacelerações do mercado previram quatro das últimas cinco recessões. Isso é uma afirmação bastante modesta. Os índices de Wall Street previram nove das últimas cinco recessões!” (minha tradução).
Porque são os especialistas (bem como os simples mortais como eu) tão maus a fazer previsões económicas? A resposta talvez esteja no facto de o mundo ser tão desordenado, complexo, um lugar contingente, com incontáveis e confusas variáveis que o cérebro humano não está, ainda, equipado para avaliar. Também pode ser porque as recessões ocorrem somente quando os decisores políticos são incapazes de vê-las a vir... Enganamo-nos ingenuamente na nossa assumpção de que especialistas podem prever o futuro. Esta propensão para o autoengano, entre os prognosticadores profissionais, foi investigada pelo Professor E. Tetlock, da Universidade de Califórnia, cujos resultados foram publicados no seu livro “Expert Judgment”. Tetlock testou mais de 82.000 previsões sobre o futuro, feitas por cientistas políticos, economistas, historiadores e jornalistas, e constatou que esses especialistas lograram um pouco melhor do que… um chimpanzé...
A falta de habilidade para antever o futuro não é problema só de economistas. O mesmo Tetlock, a que nos referimos antes, concluiu que, entre as décadas 80 e 90, as previsões politicas e geopolíticas tinham sido escassamente melhores do que o exercício advinhatório do meu conterrâneo de Madzukane, o curandeiro Mabatangwane. Não encontrou variação significativa em função dos autores. Tanto fazia se o sujeito das previsões era um académico, jornalista, diplomata, historiador ou cientista político... ou curandeiro!
Os decisores políticos, os empresários e outros não precisam, na realidade, de desenvolver planos precisos com base em prognósticos infalíveis. Precisam de ter planos de contingência para um leque de possibilidades. Se você vive em Maputo, não necessita planificar um terramoto. Existe, no entanto, um conjunto de acções que pode protege-lo desses eventos que não pode prever. É o caso, por exemplo, das apólices de seguro.
As recessões económicas são eventos cíclicos. Alguns autores defendem que elas ocorrem cada seis anos. As crises que as nações enfrentam são, também cíclicas. O importante seria que, no fim de cada recessão ou crise, nós fossemos capazes de aprender o que é que o homem, com os conhecimentos disponíveis, pode prever e aquilo que não tem como faze-lo. Sem arvorarmo-nos em curandeiros modernos, disfarçados de economistas.
Publicado no numero 6 da revista "Negocios"
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Natercia Mabota Tudo dito, khanimambo, na Bonga!
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Mussagi Cassamo Eu gostaria de conhecer o Mabatangwane
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Gabriel Muthisse Te levo para Madzukane, um dia desses, Mussagi Cassamo
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Elisio Macamo como age o inimigo...
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Gabriel Muthisse Sim, Elisio. O inimigo pode escrever artigos grandiloquentes a recusar a nossa capacidade de prever o futuro. Se ele não for parado, essa pode ser a porta para a entrada da reação!
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João Carlos Muito elucidativo. Parabéns e obrigado pela partilha
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Solomone Manyike Trabalho bem elaborado! Podiamos usar este texto para um bate-papomla em wu-Copi! Uma reflexao saudave!
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Manuel Carlos Nhanala Obrigado pela aula.
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Osvaldo Munguambe Artigo interessante. ..
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Nguila Nyangulane Mabatangwane, o curandeiro de Madzukane preve o obvio. Logo, nao passa de um charlatao! Conheço muita gente assim...
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Eduardo Paulo Sengo Muito interessante. Já o tinha lido na Revista. Talvez, também, dizer que essa dificuldade de prever o futuro resulta, em parte, pelo grande dinamismo da vida, da actividades etc que pode mudar, repentinamente, das bases ou pressuposto da previsão. No caso de Moçambique, com todas previsões feitas, quem esperava que pudéssemos ter o " caso das dívidas não declaradas". A partir desse momento, tivemos que refazer tudo. Em Novembro fiz um artigo que, com os meus pressupostos, assumia que o banco de Moçambique aumentaria em pro menos 200 pontos base a taxa de referência. Chegado a CPMO, nada! O BM decidiu parar com a subida devido a uma ligeira indicação de que a inflação iria desacelerar. Foi arriscado por parte deles, mas não contava que o BM fosse tomar uma medida que acarretava tão elevado risco e que, por sinal, resultou. O "ceteris paribus" é a muleta pra fazer a previsão. Em cada previsão não me apego ao acerto ou não no futuro. Apego-me à racionalidade que leva esse economista a emitir tal previsão. Krugman previu a bolha imobiliária na base de análise de dados e demonstrado a sua tendência futura. A bolha aconteceu, mas o mais importante não foi o acerto do Krugman, foi sim a racionalidade Economica ali presente e que foi ignorada. Portanto, para mim, por mais que tenhamos o acerto sobre o que se prevê (ou seja, não efectivar-se a previsão), nada se deita fora porque a racionalidade, o critério e até o método é que devem ser respeitado e entendido pelos fazedores de política.
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Gabriel Muthisse Eduardo Paulo Sengo, o nosso trabalho, como economistas, seria, talvez, pegar os dados QUE CONHECEMOS, QUE APREENDEMOS (porque uma parte muito grande da informação e das dinâmicas não temos como conhecer) e tentar, indicativamente, indicar o que PODE acontecer no futuro. O grande problema é pormo-nos a gritar, quando acontece, por acaso, acertarmos nas "nossas previsões": Não quiseram ouvir-me! Eu disse! Foram teimosos!...

Quando nos gabamos dos "nossos acertos" ignoramos, talvez, que outros economistas podem ter feito "outras previsões", com outros pressupostos, com outros dados, que eles puderam apreender e conhecer. Mais importante ainda, ignoramos que dinâmicas que não previmos, porque impossível de apreende-las, aconteceram e tornaram a "nossa previsão" certa.

Na verdade, tanto os que "acertaram", como os que "erraram" fizeram as suas previsões na base de uma certa racionalidade... O que nós devemos fazer quando acontecem eventos econômicos, é procurar aprender deles, apesar de que que, no futuro, dificilmente se repetirão no mesmo formato
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Amado Couto Caro amigo Gabriel. Uma análise interessante que vem a confirmar que os economistas, por mais renome que tenham, são infinitamente bons a escrever livros sobre o porque aconteceu. E péssimos a prever. Aliás com bolas de escuras turvas, torna-se mais difíceis. Venha-se o caso do Sr. Trump. Ameaça a Coreia do Norte. O Secretário de estado dos USA afirma no Conselho de segurança (ou de inseguranca) que o regime coreano era um perigo iminente. Ontem o sr. Trump afirma que se quer encontrar com o líder coreano. Hoje diz que a Coreia do Norte eh assim porque n tem Apoios regionais. Afinal há guerra, há paz, ou uma deescordenacao que revela o tipo de líderes mundiais que temos. Se os G-7 tenham lido 20 livros, mesmo de receita culinária, eh muito. Limitam-se a mandar umas " orientações evasivas" em Davos e a tiram lindas fotografias nos locais paradisíacos onde se encontram de tempos a tempos.
Gabriel Muthisse Amigo Fernando (AmadoCouto), não são só os economistas que têm problemas com previsões. Têm-nos os sociólogos, os cientistas políticos, os especialistas em geo-politica (quem previu a dissolução da da URSS e as independências dos Estados associados?), os jornalistas... os curandeiros. Todas estas profissões e especialidades, se te vierem dizer que podem prever o futuro, duvida.
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Gabriel Muthisse Deve ser por isso que Trump anda aos trombolhoes.
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Amado Couto Os melhores são os feiticeiros de Nova Mambone. Não escrevem livros... mas houve um tipo Emmanuel Tood que escreveu 10 anos da implosao da URSS, orgulhosamente anunciada, a 25 de Dezembro de 1992, em directo na TV, como se jogo de futebol terminasse o fim do império. Passou agora a ser manequim da Louis Vuitton. Que mundo eh este? Que fizemos para sermos governados desta forma?
Alexandre Fernando Globalmente de acordo com o texto. Mas só um acréscimo, normalmente, nessas futurologias os Economistas costumam apresentar os pressupostos que sustentam esse estudo. Como é óbvio, se tais pressupostos falharem os resultados serão completamente diferentes. Um abraço tio Gabriel Muthisse
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Gabriel Muthisse Caro sobrinho Alexandre Fernando, os pressupostos que os economistas consideram nós seus estudos e previsões não têm como capturar nem sequer 10% da realidade, que é muito mais complexa que a nossa capacidade de apreende-la
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Lionel Magul Engraçado, esse não é o discurso do governo. Quém me derá se o governo pudesse ler este post, na pessoa dos seus porta-vozes e membros do CM...
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Boa Monjane Há vida (e ciência) para além dos Estados Unidos. Pelo amor de Deus!
Não quero discutir os "méritos" fáceis do Mabatangwane, mas conhecem-se economistas aí de cada (poucos é verdade) que fizeram previsões que mais tarde vieram a confirmar-se no insucesso ou fracasso das escolhas económicas feitas no governo que por acaso o Sr. fez parte.
Negar isso é desonesto.
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Gabriel Muthisse Já agora, Boa Monjane, conhece algum economista que não acertou uma previsão sobre Moçambique? Aqui, espantosamente, todos acertaram nas suas previsões... Se conhece algum que não tenha acertado diga-me, nem que seja inbox
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Boa Monjane Ragendra Berta De Sousa. Não precisa ser inbox. Aqui mesmo. Vamos debater sem esconderijos. Ele errou completamente nas suas previsões (ou evangelização) sobre a indústria extractiva em Moçambique.
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Gabriel Muthisse Haaaannnn! Todos os outros acertaram, numa tendência completamente diferente do que ocorreu em outras partes do mundo. Onde as previsões valem o que valem. Aqui acertamos quase todos. Tenho a certeza de que mesmo Boa Monjane acertou.
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Gabriel Muthisse E coitado do Ragendra... Errar numa situação em que todos acertam! "Por amor de Deus"...
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Boa Monjane Eu não faço previsões económicas caro Gabriel Muthisse. Não tenho muita competência para tal ousadia. Eu sou mais do estilo do Mabatangwane. Hahaha
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Gabriel Muthisse Kkkkkkkkkkkkkk. Abraço
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Gabriel Muthisse Queria dar-te um exemplo de uma previsão infalível, em Moçambique:
"Daqui a dois anos, muitos Moçambicanos viverão em crise"!
Aquela previsão, Boa Monjane, não há como falhar. Mais de metade dos moçambicanos vive permanentemente em crise. Há séculos. Daqui a dois anos o que há-de mudar não é a realidade da pobreza. O que há-de mudar é a explicação para a crise permanente: ou secas, ou cheias,ou guerra, ou má governação, ou dívidas, ou termos de troca injustos, ou... A explicacao para a crise depende de quem quero bater politicamente
Calton Cadeado Excellent!
Nunca, na sua história, Madzukane foi tão falada. Nunca, na sua história, Madzukane esteve nas luzes da ribalta quanto está hoje. Tudo isso, graças a este grande filho de Madzukane sempre enche de orgulho a todas gentes de Madzukane! 👍🏾👏🏾
Quanto ao texto, eu acho que tem o mérito de estar bem colocado e de forma pedagógica.
Se eu percebi bem, o filho de Madzukane não está a desvalorizar a importância das previsões. Aqui está tão somente a chamar atenção para a postura dos que trabalham com previsões.
Se o meu entendimento for correcto, eu concordo plenamente com as cautelas que se devem ter em relação às previsões, pois previsões são previsões e estão no âmbito das incertezas que caracterizam os fenômenos sociais. Aqui vale a pena dizer que até o resultado de uma gravidez que o curandeiro lá de Madzukane orgulha-se em acertar é algo com muitas incertezas "do tipo" nascimento prematuro, nado morto ou tri-gêmeos.
Em função da natureza incerta dos fenômenos sócio-econômicos e sócio-políticos, as previsões/cenários são importantes para estarmos sempre à frente dos problemas, no lugar de andarmos sempre a correr atrás do prejuízo. As previsões são importantes para desenvolver uma postura proactive, no lugar de ser sempre reactivo aos problemas.
Assim, eu aprendi que com base nos dados empíricos e a incerteza devemos construir previsões/cenario com cautelas. A cautela traduz-se na apresentação de cenario optimo; cenário moderado; e cenario péssimo.
Contudo, como queremos protagonismo, esquecemos dessas cautelas e corremos a prever o óbvio que, devido à incerteza, não é tão óbvio quanto pareça!
Parabéns, mais uma vez, pelo texto, ó filho de Madzukane!
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Joao Jonasse Eu,sou fa do senhor,desde momento que foi mal compreendido,da sua opiniao,de carater politico.Vaticinou um tema que deixo de recordar.Algum momento,em funcao de tempo e contexto,acaba reforcando aminha simpatia.Nas minhas andancas,a procura do Saber,aprendi que um academico e um profeta.Ha uma dada altura, sua profecia,quase que vinha de cima.Hozanoooo!

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