domingo, 18 de fevereiro de 2018

Com mais escolas islâmicas, Erdogan quer refazer a Turquia


Com mais escolas islâmicas, Erdogan quer refazer a Turquia

O Presidente deseja criar uma “geração pia” e o Governo está a canalizar dinheiro para escolas que ensinam os valores do islão. Os críticos dizem que se está a construir uma “identidade ‘nacional nativa’”; os defensores que os muçulmanos voltaram a poder respirar.



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Numa colina com vista para Istambul existe uma escola religiosa onde, há 50 anos, um rapaz originário de um bairro operário frequentava aulas de islão. O rapaz era Recep Erdogan, o futuro Presidente da Turquia. E a escola era uma das primeiras escolas Imam Hatip, fundadas pelo Estado para educar homens para se tornarem imãs e pregadores.


No início do ano lectivo de 2017-18, em Setembro, Erdogan voltou à sua velha escola, que depois de obras no valor de quase 9 milhões de dólares foi rebaptizada Escola Imam Hatip da Anatólia Recep Tayyip Erdogan. Ali recordou os “dias difíceis” da sua infância e o espírito da escola que levava os seus alunos ao sucesso.
“O objectivo comum de toda a educação e do nosso sistema de ensino é educar boa gente, no respeito pela sua História, cultura e valores”, disse Erdogan às crianças que agitaram bandeiras na cerimónia que marcou a reabertura.
Erdogan disse que um dos seus objectivos era formar “uma geração pia” numa Turquia predominantemente muçulmana, que “trabalhe para a construção de uma nova civilização”. Os seus discursos mais recentes enfatizam a História Otomana da Turquia e as vitórias sobre as ideias e as influências do Ocidente. Reactivar as escolas Imam Hatip (literalmente Imã, ou seja quem dirige as orações, e Pregador), é parte do objectivo de Erdogan que quer pôr a religião no centro da vida nacional, depois de décadas de domínio secular. A sua velha escola foi apenas uma das que beneficiaram de um programa que visa investir milhares de milhões em educação religiosa.
Uma análise da Reuters ao orçamento do Governo e aos planos de investimento mostra que pretende duplicar para 6,57 mil milhões de liras (a moeda turca, o equivalente a 1,68 mil milhões de dólares) o investimento com as escolas para rapazes e raparigas dos 14 aos 18 anos em 2018 — cerca de um quarto do total do orçamento para todas as outras escolas secundárias. Apesar de os 645 mil alunos das Imam Hatip serem apenas 11% do total da população escolar do secundário, recebem 23% do financiamento — o que duplica o gasto por aluno em relação às escolas do currículo normal.
Desde 2012, quando a educação Imam Hatip foi alargada às escolas do terceiro ciclo, aos alunos entre os dez e os 14 anos, o número total de alunos aumentou cinco vezes, para 1,3 milhões de alunos em quatro mil escolas. O Governo quer terminar a construção de mais 128 escolas secundárias Imam Hatip em 2018 e planeia mais 50, mostra o orçamento e o plano de investimento. A Turquia também aumentou o número de horas da disciplina de religião nas escolas estatais do ensino regular, sendo que algumas delas foram convertidas em escolas Imam Hatip. O Governo não diz quantas.

Fonte de orgulho

Porém, e apesar de todo o dinheiro que recebem, estas escolas estão a ter desempenhos abaixo das regulares, mostram as estatísticas. O ministro da Educação, Ismet Yilmaz, não respondeu às perguntas da Reuters mas disse anteriormente que o Governo está a responder à procura de mais escolas Imam Hatip. “Fazemos o que os nossos cidadãos querem”, disse, em Dezembro.
A expansão da educação religiosa está a deixar alguns turcos inquietos. Entrevistas com dezenas de pais e profissionais da educação denotam uma profunda divisão quanto ao papel do islão na educação. Alguns pais que defendem o secularismo dizem que o movimento islamista nas escolas está a privar os alunos de recursos e oportunidades. Estas diferenças fazem parte de uma divisão mais abrangente entre os sectores seculares da sociedade e a base de apoio conservadora de Erdogan — a Turquia pia.
Foi essa base de apoio que levou o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), islamista, de Erdogan, ao poder em 2002. Desde então, acusam os críticos, Erdogan começou a deixar para trás o Estado secular fundado por Mustafa Kemal Atatürk em 1923 e a enfraquecer os seus pilares — Exército, Justiça, Media. As relações entre o país que é membro da NATO e os seus parceiros europeu e americano tornaram-se tensas. O pedido de adesão da Turquia à União Europeia está congelado e os países ocidentais criticam as prisões em massa que se seguiram ao golpe de Estado falhado de Julho de 2016.
O novo complexo da Escola Imam Hatip da Anatólia Recep Tayyip Erdogan, com a sua arquitectura ao estilo islâmico e situada num bairro histórico da parte europeia de Istambul, é uma fonte de orgulho para os pais das 800 adolescentes que enchem as suas salas de aula e o recreio.
“Se Deus quiser, todas as nossas escolas vão atingir este padrão de qualidade”, diz Kamber Cal, um químico de 45 anos. A sua filha de 16 anos está encantada por ir frequentar a escola, diz. “A minha filha sonha em ir à Imam Hatip, o momento em que se vai cobrir e aprender o Corão e a vida do Profeta”.

Procura da sociedade

Quando a Reuters visitou a escola, em Outubro, os rapazes ouviam o pregador antes das orações de sexta-feira na mesquita que fica no topo do edifício. Lá em baixo, no pátio, outros jogavam futebol. Alguns alunos arrumavam livros nos cacifos nos corredores. O site da escola vangloria-se pelos bons resultados em karaté, biologia, química, árabe, música e recitação do Corão. As aulas de religião perfazem entre um quarto e um terço do currículo nas escolas Imam Hatip.
Cal e outros defensores das escolas Imam Hatip dizem que os pais querem que os filhos tenham uma forte educação moral. “Se há procura, devemos corresponder. E vamos até onde? Até 20, 30, 40% dos alunos? Será a procura da sociedade quem decidirá”, disse Cal.
Esta perspectiva é um anátema para os secularistas, pessoas da ala esquerda da política e membros da minoria Alevita, que se baseia em tradições xiitas, sufi e da Anatólia e cujos rituais são muito diferentes dos da maioria sunita do país. “As pessoas não precisam de educação religiosa para terem uma profissão. Aquilo a que estamos a assistir é à construção na educação de uma identidade ‘nacional nativa’”, diz Feray Aytekin Aydogan, presidente do sindicato de professores Egitim-Sen e crítica da expansão das escolas Imam Hatip.
A escola renovada de Erdogan desenvolveu os critérios que são agora o modelo entre as escolas religiosas. Do lado asiático da cidade, a escola secundária Sarigazi, estabelecida seis décadas depois da fundação da república secular da Turquia, ilustra alguns dos desafios colocados pela expansão das escolas Imam Hatip. Uma escola não religiosa numa área com uma forte comunidade alevita e secular, mas com muitas alterações para se converter numa escola Imam Hatip.

Mais e menos apoios

Um grupo de pais escreveu às autoridades da Educação para travar a conversão, recolhendo centenas de assinaturas. Dizem que a mudança começou há vários anos. Primeiro, houve algumas aulas “convidadas” dadas pela Iman Hatip; entretanto há 1300 alunos que recebem este ensino e quase invadem o edifício onde 3000 alunos estudam num liceu regular. A mãe de uma menina de dez anos da escola regular diz que ela e outros pais vão continuar a combater a transformação da escola. Diz que é errado forçar o islão nas pessoas; como outros pais secularistas entrevistados, recusou dar o seu nome.
Os pais queixam-se que os alunos não religiosos da Sarigazi recebem menos apoios do que os estudantes da Imam Hatip e que as suas salas de aula estão mais cheias, com 40 alunos em média, comparados com os 30 do lado da Imam Hatip. Também dizem ter perdido o laboratório e um espaço para artes. “Porque é que a parte da escola Iman Hatip é melhor?”, perguntou um rapaz de dez anos, conta a mãe.
Em resposta às queixas dos pais, as autoridades dizem ter planos para construir uma nova escola na zona. Os pais da Sarigazi reclamam já um sucesso com uma petição que entregaram em Outubro para bloquear a construção de um muro numa das pontas do pátio. Dizem que era uma tentativa para dividir permanentemente a escola.
Um grupo de pais de outra escola, o liceu Mahmut Kemal Inal, no lado asiático de Istambul, fracassou numa campanha para impedir a escola de se converter numa Imam Hatip. Fizeram piquetes nos portões, organizaram protestos e recolheram centenas de assinaturas. “Estou triste por termos sido ignorados, diz Fulya Yilmaz, cuja filha de onze anos estuda aqui.
O Ministério diz que a comunidade queria que a escola se tornasse numa Imam Hatip; Yilmaz responde que só se inscreveram 125 alunos em Setembro, quando em média são 230 os alunos que aqui estudam durante quatro anos.

Descida de qualidade

Sucessivos governos do AKP deram prioridade à educação, aumentando o dinheiro disponível para o Ministério, que é hoje 12,3% de todo o orçamento, quando era 6,9% em 2003, o primeiro ano completo do AKP no poder.
Apesar de todo o dinheiro destinado às escolas, dados das entradas na universidade de 2017 mostram que os alunos das escolas religiosas ficam atrás dos seus colegas das escolas regulares. Só 18% dos candidatos das Imam Hatip entraram em licenciaturas, enquanto 35% dos alunos dos liceus regulares estatais conseguiram entrar. Menos do que os 45% dos estudantes dos liceus privados.
Um inquérito à performance académica publicado em Dezembro de 2016 pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) mostra que o sucesso dos alunos dos liceus Imam Hatip está abaixo da média nacional. Em termos gerais, em três anos a Turquia desceu oito lugares no ranking deste inquérito em ciência, matemática e leitura, um recuo face aos dois mandatos anteriores do AKP.
A Reuters não conseguiu determinar se há factores socioeconómicos a contribuir para o fosso entre as escolas regulares e as Imam Hatip por falta de dados sobre o contexto das famílias dos alunos, os seus rendimentos ou grau de estudos. Mas as escolas religiosas são fundadas em vilas e cidades por toda a Turquia, tanto em distritos pobres como prósperos.
Apesar do número de escolas Imam Hatip ter crescido muitos nos últimos anos, o número de alunos nos liceus deste tipo diminuiu ligeiramente em 2017. Engin Altay, deputado da oposição, diz que isso está “directamente relacionado com a baixa taxa de sucesso das Imam Hatip em termos académicos”. De acordo com o secretário de Estado-adjunto do Ministério da Educação, Yusuf Tekin, os liceus Imam Hatip preencheram 84% das suas vagas para 2017/2018, enquanto os alunos inscritos nos liceus com currículos regulares ultrapassou o número de vagas previstas.

O golpe de 1997

Os defensores das escolas Imam Hatip dizem que a actual expansão tem de ser vista no contexto do encerramento anterior destas escolas. Referem-se a 1997, quando o então poderoso Exército derrubou o primeiro governo liderado por islamistas do poder e encerrou quase todas as escolas Imam Hatip. O empresário Hanefi Gundogan, de 49 anos, não pôde mandar o seu filho mais velho para uma escola Imam Hatip mas agora tem o mais novo numa delas.
“Os muçulmanos chegaram a um ponto em que podem respirar mais livremente no país”, afirma. “Nos últimos 15 anos, este Governo respeitou-nos”.
Halit Bekiroglu, presidente da associação de membros e ex-alunos das Imam Hatip, diz que os receios dos secularistas são exagerados. O renascimento destas escolas, afirma, reflecte o carácter religioso da maioria da sociedade e o desejo de uma mudança no sistema de educação que antes importava ideias ocidentais.
“A modernização e ocidentalização não foram aplicadas de forma saudável. Foram implementadas como uma cópia formalista, superficial e rigorosa. Isto não está em harmonia com a sociologia no nosso país”, diz, entrevistado nos escritórios da associação, com vista para a enorme cúpula da Hagia Sophia, antiga basílica do século VI e depois mesquita, agora museu.

Educação moral

Os pais que querem mandar os seus filhos para as Imam Hatip falam do seu desejo de que tenham uma forte educação moral. É um tema que Erdogan sublinhou na vista à sua antiga escola. “A escola educou crianças com tal moralidade que elas nem se atreviam a apanhar maças nas macieiras que entram pelos muros da escola”, disse.
Sejam quais forem as origens do renascimento da educação islâmica, os críticos preocupam-se. Batuhan Aydagul, director da Iniciativa da Reforma da Educação, um think tank independente em Istambul diz que “estamos a assistir a uma identidade “nacional e nativa’ construída através da educação”.
Os currículos nacionais mais recentes, anunciados em Julho, excluem a teoria da evolução de Charles Darwin das aulas de ciência. O Governo também duplicou o ensino religioso nas escolas regulares para duas horas por semana. O ensino obrigatório é um problema para muitos turcos seculares e alguns foram a tribunal para garantir que os seus filhos podiam evitar estas aulas.
A engenheira matemática Ozlem Koc, de 42 anos, foi uma dessas mães. Em Junho ganhou um processo de um ano para que o seu filho de dez anos pudesse ficar livre da educação religiosa. Koc, que vive no lado asiático de Istambul, argumentou que forçá-lo seria contrário aos direitos humanos. “Isto não é só para o meu caso”, diz. “Quero que todas as crianças possam estar isentas destas aulas, mas também estou a lutar para que a educação religiosa obrigatória seja removida dos currículos.”
Com Com Birsen Altayli e Can Sezer, em Istambul, e Orhan Coskun, Gulsen Solaker e Tuvan Gumrukcu em Ancara  
Reuters

Depois dos golpes pós-modernos, um breve regresso ao passado

Nos últimos anos, os turcos viram os militares recuar aos quartéis e pensaram estar a assistir ao fim de uma era. O Exército que “era o Estado” deixou de o ser. Depois, os tanques voltaram a sair à rua.
Turcos na Taksim, em protesto contra a tentativa de golpe de Estado da madrugada de sábado
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Turcos na Taksim, em protesto contra a tentativa de golpe de Estado da madrugada de sábado Osan Kose/AFP
O país que tem um general como pai viveu as suas primeiras décadas com o pai (e, depois da sua morte, o lugar-tenente do pai) no lugar de Presidente. Seguiram-se as primeiras experiências de governação civil, mas os militares não deixaram de mandar nos destinos dos turcos e, a prová-lo, protagonizaram três golpes de Estado, com e sem tanques, terminando com o chamado golpe pós-moderno, em que nem saíram dos quartéis.
A Turquia que começou por ser de Mustafa Kemal Atatürk só deixou realmente de estar nas mãos dos que se dizem seus filhos quando chegou ao poder um homem que tem a ambição de querer ser o novo pai dos turcos e que é o político mais popular na Turquia desde o “pai” fundador.
Podem chamar-lhe sultão, e ele não desdenha o desejo ultrapassar de Atatürk (pelo menos) em longevidade política, mas Recep Tayyip Erdogan há-de se celebrar até ao fim como “homem do povo”, contra tudo e contra todos, à custa do próprio povo se preciso for. Não importa. Por estes dias, importa é ter resistido. Os turcos defenderam a democracia, mesmo que o seu Presidente não o faça.
Curiosamente, o último dos golpes bem-sucedidos, o tal pós-moderno (“ordenado” através de um memorando com “recomendações”), visou Necmettin Erbakan e, com ele, a primeira experiência de poder islamista (Erdogan começou a vida política no movimento de Erbakan, o Partido do Bem-estar e, na altura deste golpe, já era presidente da câmara de Istambul), em 1997. Até então, os generais já tinham derrubado três primeiros-ministros, em 1960, 1971 e 1980.
Há muitas diferenças. 2016 não é 1997, e isso tem muito de positivo e deve-se, precisamente, a Erdogan, que antes de assumir a sua deriva autoritária ajudou (mesmo) a democratizar a Turquia e a pôr fim ao poder do chamado Estado profundo . Desta vez, o chefe de Estado-Maior das Forças Armadas não estava com os golpistas. E Erdogan não é primeiro-ministro, é Presidente mas governa como se fosse, ao mesmo tempo, chefe do Governo (na altura, foi o Presidente que deixou cair Erbakan).

30 anos é muito tempo

Antes, no golpe das “recomendações”, oficiais kemalistas depuseram sucessivamente o conservador Adnan Menderes, eleito dez anos antes nas primeiras eleições multipartidárias da Turquia (1960), condenado à morte e enforcado; e o Governo do seu herdeiro político, Suleyman Demirel (1971).
Finalmente, nos anos do caos em que o terrorismo de extrema-direita e de extrema-esquerda se enfrentava em confronto armado (ao mesmo tempo que se assassinavam políticos e os rebeldes curdos cometiam os primeiros atentados), os generais decidiram intervir para dissolver a Assembleia Nacional e suspender a Constituição em vigor. Anunciaram que tinham “tomado conta do Estado” e avançaram. Seguiu-se uma repressão pesada, centenas de milhares de detenções, centenas de execuções e a ordem, prontamente seguida, para uma “renovação” política que viu partidos mudarem de nome e de lideranças.
Foi em 1980. Não foi assim há tanto tempo, mas foi porque entretanto a Turquia não é mesmo a mesma. Os militares já tinham testado Erdogan – foi em 2007, o AKP, de Erdogan, estava há cinco anos no poder e ele queria ver Abdullah Gül na Presidência. Passava pouco da meia-noite de 27 de Abril quando o Estado-Maior publicou no seu site um comunicado a vetar a candidatura (o chefe de Estado ainda era escolhido por votação entre os deputados), lembrando que as Forças Armadas “são o garante infalível do laicismo”. Seria um golpe 2.0, mas não chegou a ser.

Um país é um país

A mulher de Gül, Hayrunisa, usava hijab (lenço islâmico que cobre os cabelos) e esses ainda eram os tempos em que uma turca de lenço não podia tomar posse como deputada ou sonhar em entrar na universidade, por melhores que fossem as suas notas. Os generais avisaram, Erdogan pagou para ver. E esmagou. Gül foi mesmo eleito Presidente e os turcos foram chamados a votar em legislativas antecipadas e reforçaram o poder de Erdogan e do AKP. Em eleições, como deve ser.
Na Turquia dos fantasmas (Atatürk será sempre uma sombra mas foi apenas a primeira), o AKP foi uma desempoeirada novidade. O Erdogan de hoje é aquele que construiu para si um palácio com milhares de quartos e guardas vestidos como soldados otomanos só para ele passar no meio deles. Não pode continuar a dizer que é um “homem do povo”. Mas já foi. E sem ele e o AKP haveria muito mais turcos na pobreza e a elite permaneceria a de sempre. Os generais de topo continuariam a acreditar que tudo se resolve a golpe e os juízes a não saber o que é separação de poderes.
O problema da Turquia é que Erdogan e o AKP já foram dois e agora são um só. E que o mesmo Erdogan que lutou pela separação de poderes a ataca agora, querendo para si o papel de líder-todo-poderoso protagonista ao leme do país pelo menos até ao centenário da República, em 2023.
A sorte de Erdogan é que democratizou a Turquia antes de a tentar vergar. E na noite de sexta-feira, perante a imagem de um regresso ao passado, com tanques nas pontes do Bósforo, em Istambul, e caças a sobrevoar o Parlamento, em Ancara, os mesmos democratas que ele agora persegue (jornalistas, opositores, curdos…) saíram em sua defesa, enchendo as mesmas praças onde se juntaram nos últimos anos em protesto contra as suas decisões. Na verdade, saíram em defesa da Turquia. Ele tem tendência a pensar que um e outro são o mesmo. Os turcos sabem que a Turquia é maior do que qualquer Presidente. Salvaram Erdogan para se salvarem e assim aconteceu que um golpe de Estado falhou na Turquia.

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