quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Kosovo celebra dez anos de independência com soberania limitada


Desde 17 de fevereiro de 2008, quando se tornou independente da Sérvia, o Kosovo já foi reconhecido por mais de 110 países
ARMEND NIMANI

Efeméride é celebrada este sábado, num momento de profundas dificuldades e grandes desafios para aquele que é tido como um dos países mais pobres da Europa atual

O Kosovo assinala este sábado os dez anos da sua declaração de independência mas ainda sem resolver a questão da soberania, firmemente rejeitada pelos sérvios locais, por Belgrado e por diversos países influentes, com reflexos na situação socioeconómica do país.
Antiga província da Sérvia com maioria de população albanesa, o Kosovo tornou-se num protetorado internacional na sequência da guerra de 1998-1999, que implicou uma intervenção militar da NATO contra a Sérvia, seguida da permanência de um contingente multinacional (Kfor) e de uma missão civil da ONU (Unmik) no terreno, que eventualmente daria lugar à missão europeia Eulex.
Apesar da efeméride, nem todo o território do Kosovo celebra a independência. A minoria sérvia ortodoxa, concentrada sobretudo no norte de um país com apenas 11 mil quilómetros quadrados de tamanho e cerca de 1,8 milhões de habitantes, continua a identificar-se com Belgrado, apesar de manter deputados no parlamento de Pristina e ministros no governo kosovar, na sequência do acordo patrocinado pela União Europeia em abril de 2013 para forçar uma reaproximação entre os dois lados.
O exercício da soberania kosovar permanece assim limitado em muitas regiões do Kosovo. É o caso de Mitrovica, uma cidade do norte dividida há quase duas décadas após a guerra entre as forças sérvias e os separatistas armados albaneses do Exército de Libertação do Kosovo (UÇK), um conflito que provocou cerca de 13.000 mortos, na sua maioria albaneses kosovares.
O acordo de normalização das relações mediado por Bruxelas prevê um estatuto para os municípios onde habita a minoria sérvia, mas Pristina continua a rejeitar qualquer perspetiva de autonomia para os sérvios kosovares, cerca de 120.000, pelo facto de terem recusado participar no último recenseamento de 2011.
A questão da soberania e as difíceis relações com a Sérvia têm contribuído para uma situação socioeconómica que permanece muito frágil: o desemprego atinge hoje um terço da população ativa (30,6%), metade com menos de 24 anos (50,9%), segundo os dados oficias.
O défice comercial atinge um terço do PIB e a aplicação de políticas neoliberais assinaladas por privatizações sem controlo acentuaram a desindustrialização do país. Segundo a Agência Nacional de Estatísticas, um em cada seis kosovares vive atualmente abaixo do limiar de pobreza. A par disso, a UE considerou num relatório de 2016 que a corrupção “prevalece em muitos sectores e continua a ser um grave problema”.
Em paralelo, as relações entre Pristina e os seus aliados ocidentais agravaram-se no último ano. A liderança albanesa, proveniente de várias fações que integravam o UÇK, entretanto dissolvido, pretende dotar o país de Forças Armadas, uma proposta acolhida com algumas reservas pelas chancelarias.
A UE e a NATO permanecem instaladas no Kosovo, apesar da inexistência de perspetivas de que o país venha a aderir ao bloco regional ou à aliança militar. O Kosovo é o único país da região balcânica que não possui liberalização de vistos para os países da União. Por esse motivo, o êxodo de jovens kosovares continua a decorrer hoje de forma ilegal.
A resolução de um conflito fronteiriço com o Montenegro e o estabelecimento do Estado de Direito continuam a ser as condições exigidas pela UE para a liberalização dos vistos. Para os kosovares, essa também é uma prioridade, num país que nos últimos anos registou ainda uma total deterioração dos serviços públicos.
Perto de um terço da população (700.000, segundo cálculos oficiais) já vive no estrangeiro, assegurando divisas preciosas a um país que é considerado um dos mais pobres da Europa e onde o euro é a moeda “oficial”.
A Justiça também constituía um dos principais pilares da Eulex, a missão mais cara da História da UE, mas esta área decisiva também enfrenta crescentes problemas. A criação de um tribunal internacional especial destinado a julgar os crimes de guerra atribuídos ao UÇK poderá agravar as relações com os seus “patrocinadores” ocidentais, com destaque para os Estados Unidos, numa altura em que os antigos comandantes militares dessa força estão hoje no poder em Pristina.
Para muitos deputados, sobretudo da oposição que circula em torno do movimento Vetëvendosje (Autodeterminação), esta instância judicial, composta por magistrados estrangeiros e instalada em Haia, na Holanda, viola a soberania do país.
Esta semana, o Presidente do Kosovo, Hashim Thaçi, chefe político do UÇK durante a guerra, considerou que o tribunal resultante de um relatório do Conselho da Europa elaborado pelo magistrado suíço Dick Marty representa uma “injustiça histórica” e disse que o seu governo só o aceitou, com relutância, como “preço da liberdade”.
Após o final da guerra em 1999, houve crimes no Kosovo que não foram apenas dirigidos contra as minorias (sérvios, ciganos), mas também contra opositores políticos, ainda segundo o relatório Dick Marty. Também estes crimes nunca foram investigados nem condenados pela Justiça internacional.

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